13 de novembro de 2008

Lembranças da Redinha e da Rua Apodi

Estou chegando naquela idade em que as pessoas próximas começam a morrer.
Ano passado foi-se minha tia mais velha, por parte de pai.
Este ano foi-se meu tio mais velho, por parte de mãe.

Tia Lúcia morreu enquanto fazia uma transfusão de sangue. Parece que tinha um problema renal e que é bastante perigoso fazer essas transfusões pela probabilidade de ter um ataque cardíaco. Foi o que aconteceu.

Tio Diniz saiu de sua casa na Redinha (uma praia urbana de Natal) para comprar um material de construção que faltou, fez um retorno na estrada e o veículo do BOPE, que estava em alta velocidade por atender um chamado, bateu nele. Tio morreu na hora.

Foto: Jornal de Hoje


Olhem que retorno ridículo. Ele não viu a viatura e a viatura não o viu por causa das plantas do canteiro.

Lembrei-me de todas as vezes que quase morri, que quase minha mãe bateu o carro, todos os quase acidentes terríveis que evitamos. De repente ele faz o retorno e não teve tempo de voltar, do Bope desviar... foi em cheio. Era a hora dele.

Eu espero sinceramente que toda a visibilidade esse acidente teve por causa do meu tio (ele é uma figura pública) sirva de catalizador para o governo se mexer, quantos pedestres ainda terão de ser atropelados, quantos acidentes de carros, quantas mortes ainda terão que acontecer para arrumarem o trânsito da Zona Norte?

Foto: NoMinuto.com


A família está em choque, afinal se alguém fica doente todos se preparam, um acidente de supetão deixa qualquer um dormente. Tio Diniz era muito apegado a família e servia de elo entre os irmãos e a família da minha avó, tias, primos e descendentes.

Eu não me dava bem com ele, nós brigamos feio quando eu tinha uns 16 anos e nunca mais fui na casa dele, a Redinha da minha infância, das minhas lembranças, a minha formação. Cresci vendo os quadros dele, veraneando na sua casa, recebendo ensinamentos de etiqueta hilários. Todos os primos também, ninguém esquece o "cadê Zazá" (quando utilizavam os talheres abrindo os cotovelos em asa), "olha o tubarão" (quando levantavam o dedinho para beber no copo) , "vai voaaar" (quando seguravam a xícara levantando o cotovelo)... era o grande incentivador cultural da família, e logo eu que sou a mais "culta" era a mais chata, para ele.

Depois de alguns anos, passamos a tolerar a presença um do outro nas festas e encontros de família, no último anos ele falou várias vezes para mainha que queria se aproximar de mim, mas nunca me tratava bem quando nos encontrávamos.

É claro que eu estou triste, pela primeira vez chorei num velório e senti de verdade a perda (por morte) de alguém. Ele era família próxima, e apesar de eu não vê-lo com freqüência, ele estava sempre por perto, minha mãe costumava vê-lo toda semana em almoços dos irmãos, na casa da minha tia, falava sempre por telefone e na internet, ou seja, eu sempre tinha notícia, além dos livros que vez ou outra ele me mandava para mim.

Além disso, eu o tinha no Orkut que dedico só para familiares e sempre recebia mensagens dele para as pessoas de sua lista com programações culturais, poemas e reportagens.

Ano passado, depois de muitos anos, passei o Natal com a família, incluindo-o. Foi muito legal e engraçado, até tenho boas lembranças recentes dele.

Minha mãe quer que eu escreva um discurso (pediu que eu lesse também, mas eu já me recusei) para a missa de 7º dia e eu não sei se serei capaz de fazer. Eu gosto do meu tio, mas eu sinto que seria uma hipocrisia muito grande, até porque todos esperariam apenas coisas boas sobre ele. Eu não poderia fazer isso, primeiro porque eu sempre reconheço os defeitos de todas as pessoas próximas e não poderia agir como se ele fosse só coisas boas. Tio Diniz era uma artista excelente e uma pessoa muito espirituosa, alegre e engraçada, mas também podia ser muito cruel. Ele me magoou muito e as palavras que ele disse na última briga que tivemos foram por muito tempo uma ferida e trauma para mim. Em todos os momentos de depressão eu lembrava das palavras dele. Eu não poderia enfeitar um discurso. (Na foto, Diniz Grilo e minha mãe, Amélia)

Cada um tem a sua dor, alguns choram, gritam, outros ficam parecendo um zumbi. Eu não queria que ele fosse embora, não queria que a família perdesse uma "perna". Eu não sei e ninguém sabe como vão ficar as coisas, os encontros, os almoços...

Uma coisa é certa, família é bicho estranho. Não importa as desavenças, na hora da dor todo mundo se une. Meus primos brigados nos EUA se reconciliaram, meus tios se aproximaram, minha prima que era odiosa há alguns anos deu muito apoio às tias. Minha tia até ficou fazendo carinho na minha mão, contato que não tínhamos há pelo menos dez anos... Fica o desejo de que essa situação dê perspectiva para não se cometer os mesmos erros, para não ter que se unir só quando morre alguém.

Depois de quase seis anos voltarei à Redinha. Vou ver os quadros que ele estava terminando para a exposição que teria no fim do mês, como ficou a reforma da casa... Meus tios me deram os livros e discos dele, como era seu desejo. Acho que vamos fazer um inventário dos quadros também, para uma futura exposição.

Apesar de todo o sofrimento, todo mundo pensou e riu um pouco, pois que só faltava ele mesmo aparecer no velório e no enterro dele e fazer comentários sobre os modos das pessoas, dos jornalistas, das roupas, dos "falsos". Minha mãe praticamente foi única da família que teve condições de dar as entrevistas, nos disse depois que só no que pensava enquanto falava com os jornalista era nele dizendo "olhe, eu sou uma figura pública! No meu funeral não vão dizer nada 'maracatu'"...

Algumas reportagens que saíram:

Tribuna do Norte I, Tribuna do Norte II

Diário de Natal I, Diário de Natal II, Diário de Natal III

Jornal de Hoje I, Jornal de Hoje II

No Minuto I, No Minuto II, No Minuto III, No Minuto IV

DN Online I, DN Online II, DN Online III, DN Online IV

3 comentários:

  1. nunca perdi um parente assim de supetão, mas já perdi amigos e sei como é difícil entender o q aconteceu. eu sempre achei q plantar arbustos em canteiros era uma atitude criminosa da prefeitura e agora tenho certeza. espero q compreendam isso agora e tomem uma providência.

    quanto a obama, o q faz com q ele seja "negro" é tão somente a chamada "one drop rule", ou seja basta um pingo de sangue pra alguém ser considerado negro. se tiver um único negro na sua ascendência isso qualifica vc como negra mesmo q seja branca e de olhos azuis :)

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  2. Nossa, que calo apertado, hem! Perder um ente querido, público e engraçado né pra qualquer um não... Espero que as autoridades abram mesmo o olho =P

    Saudações verdes

    Lázaro

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