nota: o texto a seguir é fictício
A luz suave incide sobre a parede da cozinha, revelando uma mancha no relógio que, sem mais funcionar, marca eternamente duas horas e vinte e cinco minutos e, até que resolvesse consertá-lo, serve de enfeite naquele ambiente cuidadosamente desarrumado. É um dos presentes de casamento dos avós, ambos falecidos. Acha-o belo, gosta das coisas antigas, do entalhe na madeira. Agrada-lhe tanto o rebuscado quanto o moderno. A casa possui dois computadores, utensílios modernos, abajures fluorescentes. Mas estas coisas a luz nem a memória não revelam no momento. O que é a Internet, os jogos, a vida online, diante aquela luz que ilumina tranqüilamente aquele ambiente familiar? Uma luz, e o que não é luz é penumbra. Parece seu coração. E no coração não tem computador para distrair.
Levanta-se e pega uma flanela que descansa por cima da pia sem louças. Espirra um produto químico de odor irritante no tecido e põe-se a limpar o relógio. Uma mancha ínfima, nem faz muita diferença para os eventuais visitantes – estão mais preocupados em ver as horas de verdade e sempre acabam consultado seus celulares. A mancha não sai, então volta a peça para seu lugar anterior. A luz incide sobre uma mancha, que não sai, de um belo antigo relógio.
Quanto tempo ficara ali no sofá verde antes de perceber a mancha? Na boca, um gosto estranho, não há fome, talvez um pouco de sede. Tomara café da manhã , lembra disso. Lavou a louça também, coisa rara, costumava esperar que a encarregada lavasse, não tinha tempo, não tinha vontade, contratara alguém para lavar não só a louça, como a roupa e o chão também. A pessoa não veio, não era o seu dia [de vir]. Talvez não fosse o dia de ninguém. Então como foi parar no sofá, quanto tempo ficou, havia luz? Tudo que vê é a penumbra nas lembranças, a luz clareou sua mente no presente, como no presente iluminou a sua cozinha.
Sempre tem tantos pensamentos! Ao mesmo tempo, parece que nenhum, pois, como diz Schopenhauer, deve ter pensado muito pouco para ler tanto. Então não é sempre, talvez metade do tempo de cada dia. Uma parte, desperta, não pensa, só lê, escreve, fala e reproduz atos. Na outra, dorme, e então consegue pensar. Mas não lembra depois, não quer lembrar, faz de conta que não lembra, lembra e sofre, às vezes ri. Se você aceita o riso, aceita o choro também. O discutivelmente bom e velho tudo ou nada.
Hoje não é dia de tragédia, não é dia de choro, nem de riso, hoje não é dia de nada. Tem um sofá, uma luz, mancha e relógio. Uma incógnita também há, mas não recorda nada, não quer recordar, faz de conta que não recorda, não! Não há nada para recordar. Pensa, agora, no presente, às vezes no futuro; sente a sede e decide pegar um copo com água. Entretanto, quando a sede se for, o que fará?
A luz suave incide sobre a parede da cozinha, revelando uma mancha no relógio que, sem mais funcionar, marca eternamente duas horas e vinte e cinco minutos e, até que resolvesse consertá-lo, serve de enfeite naquele ambiente cuidadosamente desarrumado. É um dos presentes de casamento dos avós, ambos falecidos. Acha-o belo, gosta das coisas antigas, do entalhe na madeira. Agrada-lhe tanto o rebuscado quanto o moderno. A casa possui dois computadores, utensílios modernos, abajures fluorescentes. Mas estas coisas a luz nem a memória não revelam no momento. O que é a Internet, os jogos, a vida online, diante aquela luz que ilumina tranqüilamente aquele ambiente familiar? Uma luz, e o que não é luz é penumbra. Parece seu coração. E no coração não tem computador para distrair.
Levanta-se e pega uma flanela que descansa por cima da pia sem louças. Espirra um produto químico de odor irritante no tecido e põe-se a limpar o relógio. Uma mancha ínfima, nem faz muita diferença para os eventuais visitantes – estão mais preocupados em ver as horas de verdade e sempre acabam consultado seus celulares. A mancha não sai, então volta a peça para seu lugar anterior. A luz incide sobre uma mancha, que não sai, de um belo antigo relógio.
Quanto tempo ficara ali no sofá verde antes de perceber a mancha? Na boca, um gosto estranho, não há fome, talvez um pouco de sede. Tomara café da manhã , lembra disso. Lavou a louça também, coisa rara, costumava esperar que a encarregada lavasse, não tinha tempo, não tinha vontade, contratara alguém para lavar não só a louça, como a roupa e o chão também. A pessoa não veio, não era o seu dia [de vir]. Talvez não fosse o dia de ninguém. Então como foi parar no sofá, quanto tempo ficou, havia luz? Tudo que vê é a penumbra nas lembranças, a luz clareou sua mente no presente, como no presente iluminou a sua cozinha.
Sempre tem tantos pensamentos! Ao mesmo tempo, parece que nenhum, pois, como diz Schopenhauer, deve ter pensado muito pouco para ler tanto. Então não é sempre, talvez metade do tempo de cada dia. Uma parte, desperta, não pensa, só lê, escreve, fala e reproduz atos. Na outra, dorme, e então consegue pensar. Mas não lembra depois, não quer lembrar, faz de conta que não lembra, lembra e sofre, às vezes ri. Se você aceita o riso, aceita o choro também. O discutivelmente bom e velho tudo ou nada.
Hoje não é dia de tragédia, não é dia de choro, nem de riso, hoje não é dia de nada. Tem um sofá, uma luz, mancha e relógio. Uma incógnita também há, mas não recorda nada, não quer recordar, faz de conta que não recorda, não! Não há nada para recordar. Pensa, agora, no presente, às vezes no futuro; sente a sede e decide pegar um copo com água. Entretanto, quando a sede se for, o que fará?